Bodega

escritos em geral.
por tici.

29/08/2003

Desconcerto

As idéias fluem como um lápis desliza sobre o papel. E me parece que eu sei bem aonde chegar. Percorro um caminho certo, nítido e nada é capaz de desviar um percurso tão bem delineado. Até que você aparece.

(Você é um homem interessante. O seu jeito de fumar, demorando a soltar a fumaça, como que degustando cada momento da tragada. Timidez, me falou que era timidez, que precisava estar fazendo alguma coisa com as mãos, ou não saberia o que fazer. Não faz tipo, é tímido. Sorri quando não sabe o que falar. Não se acha o mais esperto dos homens, e não é nem um pouco bobo.)

Então as idéias, os caminhos, que eu via com tanta clareza, turvam. Assim, feito um pedaço de barro caindo dentro de um copo d’água potável. Eu fico parecendo alguém que ao atravessar a rua, vê abrir o sinal, e fica “dançando” no meio da via expressa, sem conseguir chegar do outro lado.

28/08/2003

Historinha um tanto trágica

Essa chuva me lembrou da minha viagem pra Ilha Grande em Dezembro.

Começo de férias, fomos eu, minha irmã e uma amiga, lépidas e faceiras, passar uma semana em Angra. Íamos fazer altas caminhadas pras praias mais distantes. Enfim, uma viagem pra descansar, daquelas que cansam à beça!

Chegamos domingo e a tarde começou a chover. Minha irmã, a única que já conhecia a Ilha:

- Final da tarde aqui sempre chove mesmo! Mais tarde para e amanhã faz o maior sol.

Dez da noite e nada da chuva parar. Manhã seguinte, mais chuva. “Se não parar hoje, a gente vai embora”. Não, a gente não vai embora! Caiu uma barreira na estrada de volta pro Rio e foi decretado estado de calamidade pública em Angra dos Reis.

Resultado: muito baralho e cerveja.

Chover quando se viaja, é bastante azar, mas tudo bem. Agora, estado de calamidade pública já é sacanagem...

27/08/2003

Imperdível

Chuva. O suficiente para afastar cariocas da rua. Eu, se tiver chovendo, falto a Faculdade (se bem que não precisa muito pra eu faltar aula). Mas ontem tinha show do Paulo César Pinheiro no Instituto Moreira Sales.

Um dos maiores letristas e compositores da música brasileira, que ganhou a pouco o prêmio Shell de música. Gravado por Elis, Clara Nunes (com quem ele foi casado), Bethânia, pra citar algumas. Parceiros como Baden Powell,Tom Jobim, Mauro Duarte, Sueli Costa. E o mais intrigante: o cara quase não é conhecido. Eu só fui saber do tamanho da importância dele a menos de dois anos.

Estou tentando correr atrás do tempo perdido e não paro de me surpreender com músicas que eu adoro e não sabia que eram dele, como “Vou deitar e rolar”, gravada por Elis e “Viagem”(Oh, tristeza me desculpe, estou de malas prontas, hoje a poesia veio a meu encontro...) que ele fez aos 13 anos.; e com músicas que eu só estou descobrindo agora (como “Mordaça” – que vale a pena dar uma olhada na letra).

As poucas pessoas que enfrentaram a chuva, tiveram a oportunidade de ouvir duas músicas inéditas dele, além de compartilhar a emoção das músicas cantadas por quem as fez, o que me deixou, em muitos momentos do show, com um bolo na garganta.

Aliás, esses shows nas terças lá no IMS (na Gávea) são uma ótima pedida: acabam cedo, são baratos e a qualidade é sempre indiscutível.

25/08/2003

A vida e suas contradições




Do último post até este aqui, eu comprei um livro do Cacaso, um dos militantes da “poesia marginal” do final dos anos 60 até o começo dos 80. Nele tem um poema, “Hora do recreio”, que fala sobre a não escolha, a impossibilidade de opção – entre dois amores, entre dois poemas... O que pode também ser interpretado por adiamento da escolha, ou que sobre o amor, nem sempre é necessária e urgente a escolha.

“O coração em frangalhos o poeta é
levado a optar entre dois amores.

As duas não pode ser pois ambas não deixariam
uma só é impossível pois há os olhos da outra
e nenhuma é um verso que não é deste poema

Por hoje basta. Amanhã volto a pensar neste problema.”

Não me parece que a idéia dele era escolher algum dia... Exatamente o oposto do que tinha colocado no post. Ou seja, há entendimento pra todo gosto!

21/08/2003

Escolhas e perdas

A Tata falou no Ação e divagação sobre escolhas e, é claro, renúncias que estas implicam. Isto é tão óbvio que a gente esquece às vezes de perceber: escolha é perda, é renúncia. Aí é que está a minha (e acho que a de todos) dificuldade de escolher. Não querer abrir mão. É até menos complicado nas pequenas escolhas (pra algumas pessoas, não pra mim). Mas e as grandes?

Me lembrou um filme antigo do Domingos de Oliveira, “Todas as mulheres do mundo”, com a Leila Diniz e o Paulo José. A história toda se passa com o casal se conhecendo, brigando, namorando, separando, enfim, um como sempre agradável filme a la Domingos de Oliveira.

No final, se explica o título. Para ficar com ela, ele desiste de todas as mulheres do mundo. Todas. Isso sim é uma escolha grande com uma renúncia grande. E no fundo é o que todo mundo quer.

Taí uma escolha que eu quero fazer: por um, desistir de todos os outros homens do mundo...

20/08/2003

Para o bem

Peça perdão.
Ore.
Penitencie o teu corpo.
Reze com fervor,
com a fé que você não tem.
Apele para a piedade Divina
que Sua misericórdia é infinita.
Tenha dó dos desvalidos,
dos dementes, dos descrentes ...

Mas não deixe de pecar.

18/08/2003

Considerações inúteis

Não sei se alguém já percebeu, mas no Brasil, temos dois horários: o oficial (horário de Brasília) e o horário da Globo.

Você pode ou não ver TV. Mas você já falou, ou ouviu e entendeu: “depois da novela das oito eu vou me arrumar”; “te ligo no intervalo do Jornal Nacional”; “acordo na hora do Bom dia Brasil”; “cheguei em casa estava passando Malhação”.

A programação da Globo está incorporada no dia a dia de qualquer brasileiro, é inevitável. Tanto que eu duvido que alguém não tenha captado algum horário nos exemplos aí de cima, por mais que queira. Reclamações, só diretamente com seu Roberto, lá em cima.

(Daqui a pouco começa o Jornal da Globo, hora de começar a me arrumar pra dormir.)

Divulgando

Ajudando a divulgar o concurso de prosa microscópica que a Meg está promovendo. O vencedor ganha um DVD, além de ter seu texto publicado no site do concurso.

17/08/2003

Mini-peça 2

Meia luz em um bar qualquer. Ao fundo, uma música ao piano. Mulher mexe lentamente seu uísque com a ponta dos dedos, lambendo-os depois. Olha o nada, enquanto homem olha seus dedos deslizando sobre o copo. Apóia o queixo com uma das mãos.

Ele (quebrando o clima tenso):
Não costumava beber.

Ela (com um ar blasé): Agora bebo.

Ele: Uísque?

Ela: Também.

E voltam ao silêncio. Os olhares voltam para o nada.
Cai o pano.


Um pouco do que nunca quero que sobre depois da paixão: assunto escasso entre duas pessoas agora quase desconhecidas.

16/08/2003

E a vida vai passando

Eu devia ter escrito mais no blog;
Eu devia ter dado mais atenção às aulas na Faculdade;
Eu devia ter bebido menos ontem de noite;
Eu devia ter estudado mais pra monografia;
Eu devia ter feito as unhas pra tantos aniversários do fim de semana;
Eu devia não ter gasto meu tempo com bobeiras;
Eu devia ter anotado meus compromissos numa agenda;
Eu devia fazer tanta coisa e não faço...

Segunda-feira eu recomeço. Segunda-feira.

11/08/2003

Ela via a noite passar enquanto ele deixava sua mente vagar pelos sonhos. E servia-se de seu ronco para tentar pegar no sono; e acalmava seu gemido com as mãos num carinho curto e repetido, como se alisasse o seu cão.

Ele, com a cabeça amoldada de forma anatômica no travesseiro, sentia seu cansaço transformar-se em novo vigor, ressonando feito um bebê asmático em dias frios.

Já ela, cumprindo a rotina dos insones, revirava-se procurando uma posição melhor para as pernas. Fechava os olhos e levava a cabeça até um pensamento distante de seus afazeres diários. Mas logo aterrissava em sua vida e desviava-se do caminho do sono, que não era bom companheiro de sua noite.

Olhava o marido e via a calma daqueles que dormem. Sentia uma alegria estranha, o tipo que se sente pelo outro, comum somente aos generosos de alma. E se nessa hora tinha vontade de beijá-lo no rosto, fazia. Tarde da noite, sozinha, não é hora de se conter fazer o que se quer a quem se ama, ou mesmo amou um dia.

E tinha nos olhos o brilho da sorte que possuía o marido em dormir sem desespero. E também de sua sorte, de ter, mesmo na angústia da noite mal dormida, o único momento do dia exclusivamente seu.

De repente, sem quase abrir os olhos, ele se levantava, ia ao banheiro e voltava, sem ao menos perceber a luz do abajur acesa, iluminando as letras de um livro, que poderia ser boa ajuda para achar o sono.

Se iludia há anos com essa ajuda dos livros. A leitura, ao contrário do que ocorre com muitos, ao levá-la a um mundo de sonhos, pregava-a ao mundo real. Foi assim que conseguiu ler todos os clássicos. Proust e seus sete volumes, Dostoievsk e todo o seu peso russo, Flaubert e sua obsessão pela escrita perfeita.

Nada a fazia dormir, até que dormia. Assim, de repente, sem nunca conseguir precisar qual de suas técnicas foi a eficaz.

E, às seis da manhã, acordava com um beijo na testa, ou mesmo na boca em dias de maior paixão. Já há mais de 30 anos fazia o café enquanto seu marido se arrumava para o trabalho.

À mesa, em meio ao café, às torradas com geléia e ao característico silêncio do marido, lhe contava os sonhos que tivera e, à moda de Freud, os importantes significados que teriam e haveriam de lhe ser útil na vida.

Depois, despedia-se desejando um bom expediente no trabalho. Voltava à cama para sonhar os sonhos que com tanto primor havia contado ao marido na mesa de café.


Para vovô Beto e vovó Ellen, pelas semelhanças com estes aí do texto.

09/08/2003

Ando um tempo sem escrever por aqui. Mas já voltei, com a corda toda.

Hoje, sábado, eu faria um traking, daqueles com muitos obstáculos, inaugurando, enfim, minha fase esportista ao ar livre. Mas o tempo parece não compactuar com isso. Uma chuva, um frio como a muito o Rio não via. E, planos por água abaixo, fica para o próximo fim de semana.

Fazer o que se a natureza não me quer saudável? Sexta a noite, um chopinho. Sábado, um almoço de família, daqueles que não acabam nunca, com uma cervejinha gelada. Mas final de semana que vem, tudo vai ser diferente.

06/08/2003

Defendendo a unanimidade

Elis é a melhor e maior intérprete da música brasileira. Não tenho dúvidas quanto a isso. E sempre achei que isso fosse unanimidade. Mas não é. Descobri isso esses dias, num papo de bar. Acabei descobrindo que tem gente que prefere a Bethânia ou mesmo a Cristina Buarque.

A Bethânia tem a voz realmente poderosa, e a emoção dela cantando é de arrepiar. Em “Olé, olá” do Chico, quando ela entra, eu tenho que fazer força pra não chorar. Mas eu sinto dificuldade nela, quando é pra ser feliz. Alguém lembra uma música da Bethânia que seja feliz? Não é um defeito, pode ser até uma escolha. Mas ainda assim, uma limitação.

A Cristina, não que eu não goste dela (irmã do grande Chico), apesar de eu ter demorado a acostumar com a voz dela. Acho a voz dela boa, mas não é “a” voz. Além de ela só cantar samba (maravilhosamente bem, por sinal), o que também acaba sendo uma limitação. Acho uma pena ela ser tão desconhecida.

Agora Elis Regina, o que é a Elis? O jeito debochado dela em “Vou deitar e rolar” ou em “Alô, alô marciano” é inigualável. Ninguém canta daquele jeito, com aquele riso quase saindo. E ao mesmo tempo tem a dor em, por exemplo, “Atrás da porta”. É um desespero total. Isso falando da emoção com que ela canta, fora a voz. A voz da Elis é capaz de tudo.

Mas, como Nelson Rodrigues dizia, toda unanimidade é burra. Melhor assim. Que algumas pessoas não concordem que Elis é a melhor, porque ela é a melhor.

05/08/2003

Fim de férias

Segunda-feira acorda o mundo. Barulho de vida ativa lá fora. Tantos problemas voltam a existir, tomam corpo e um pouco da mente.

E nossa angústia cresce com o tempo que volta a passar, volta a cobrar alguma atitude, ou pelo menos boa vontade.


Welcome back to life.

04/08/2003

Nostalgia pura

Fim de semana no sítio. Primos, tios, avós, mãe e um cheirinho de infância. É tão bom e eu vou tão pouco.

Nada pode ser melhor do que o café da manhã com geléia caseira feita pelo meu avô. Noite em frente à lareira ouvindo as histórias da minha avó. Todas as lembranças de criança em cada centímetro.

E eu, boba que sou, sempre quis ser a Narizinho. Sem nem perceber que o tal sítio do Pica-pau amarelo era bem ali, no sítio Manaan...


Alguém já disse que ser feliz é ter prazer nas recordações. Estava certo.

01/08/2003

Angústia compartilhada

Em “Advogado do diabo”, o Diabo em pessoa, interpretado pelo Al Pacino, diz que tudo isso (que a gente chama vida) é uma grande “vídeocassetada cósmica” que Deus armou para se divertir. Diz que Deus é sacana, que manda a gente não olhar, se olhar não tocar, se tocar não provar, se provar não engolir... Enfim, um discurso hilário.

Às vezes eu me pego mesmo com pensamentos angustiantes, do tipo “o que a gente está fazendo aqui?”; “pra quê tudo isso?”. E me acho mesmo uma louca de pensar coisas desse tipo...

Então vem Drummond e diz que Ele, Deus, também tem essa mesma angústia, no poema “Tristeza no céu” (só um trechinho):

“No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.”


Ora, se não soluciona, Drummond ao menos me arranja um companheiro para os devaneios. Assim, não estou mais só...